Réquiem da chuteira negra
A chuteira preta está ameaçada de extinção - e também o mico-leão dourado. Minha combalida memória registra episódios esparsos no processo de afirmação desse modismo futebolístico horrendo, qual seja, a hegemonia da chuteira cólorida.
No início da década de 80, Walter Casagrande Jr., o Big House, fez uso de chuteiras brancas ao melhor estilo Jacinto Figueira Jr, o Homem do Sapato Branco. Na mesma época, Serginho Chulapa usou chancas vermelhas quando jogava no Santos. Mas era um tempo em que a elegante chuteira preta era unanimidade e o golpe de marketing não era gestado na lógica corporativa, mas na cabeça criativa de boleiros transgressores.
Hoje, infelizmente, a transgressão é usar chuteiras negras. E isso aconteceu quase imperceptivelmente, à sorrelfa, de uma hora para outra.
Na noite dos tempos do esporte bretão, as chuteiras eram verdadeiras botinas. Cor de ébano. O avanço tecnológico indiscutível trouxe um contrabando em seu bojo: o design mercadologizado. Cores, muitas cores, quanto mais chocantes e fosforescentes, melhor. Um tributo à breguice. Ao mau gosto.
Imagine, por exemplo, Pelé (ou Beckenbauer, Cruiff, Maradona) de chuteira branca... Inimaginável. Não tem como. A chuteira preta, essa sim tem estirpe, classe, distinção. No futebol de hoje, contudo, a chuteira preta é vítima da vulgarização imposta pelo mercado.
Na foto acima, a chuteira preta de Max Morlock, campeão mundial em 54, criação da empresa de Adi Dassler (cujo irmão criou a Puma):
"A chuteira de Max Morlock foi calçada pelo jogador alemão na final de 1954 em Berna contra a Hungria e usada para marcar o primeiro gol da Alemanha. A nova chuteira tinha duas vantagens cruciais: tinha cravos delgados de atarrachar e pesava quase a metade do que pesava a chuteira dos adversários – só a Áustria e a Suíça usavam a mesma chuteira. O peso menor forneceu uma grande vantagem para a RFA na final" (Copyright: FIFAworldcup.com).