Estação Libertar *****

This is a blog created to discuss urban aspects of urban life oftenly overlooked by common viewers and specialized media, bringing the outskirts to the center of our concern, at least.

Tuesday, September 25, 2007

Fala, Brown!


Mano Brown falou ontem no Roda Viva, num raro momento de acesso à imprensa. Alguns entrevistadores trouxeram passagens de suas letras, mas ele não queria se explicar, dizia que "primeiro, é uma rima, certo?", depois tinha desconversava com a frase que servia para tudo: "a omissão não é um crime? Então todos somos criminosos!". José Nêumane não conseguia se segurar diante de uma provocação flagrante, queria que Brown reconhecesse sua responsabilidade, à qual ele recusava. O jornalista estava no programa errado, assim como vários dos escolhidos. Aquilo era espaço para o Ferréz, para o João Gordo, para a irreverência, não para espíritos consternados, talvez cansados. A sorridente psicanalista, feliz por falar com a periferia, Maria Rita Kehl, conseguiu explorar melhor os pontos que ela havia preparado, falou do dia das crianças, da origem de um criminoso. Mas Brown só fala quando quer, não quando é perguntado. Suas respostas saem de lado, esgueirando. Quando perguntado sobre o porquê tinha aceito participar do Roda Viva, disse que já tinha visto outros programas, e que os entrevistados eram bastante apertados, mas que com ele estavam sendo tranquilos.

Perguntaram para Brown o que era amor, de onde vinha o criminoso, se ele era paz e amor, se ele concordava com o bolsa família, se ele era socialista, as respostas não vinham a contento, mas ele falou muito mais do que se quis ouvir, afinal ele era o entrevistado. Ele não é "paz e amor" porque a sociedade não é, ele aprendeu o que somos (lendo Malcom X, entre outros) e espera que todos aprendam não com ele, porque ele não é modelo pra ninguém, "nem pro meu filho", disse ele.

Brown falou com tranquilidade de sua simpatia por Marta Suplicy, pelo Lula, até pelo Bolsa Família, falou de sua história no Capão Redondo e das relações na periferia, dizendo que na favela não tem violência porque lá tem lei, aplicada com bom senso. Elogiou os CEUs, que seus filhos frequentam, e que se encontra em funcionamento ainda que a administração seja outra.

Foi uma noite tranquila no estúdio do Roda Viva, e mais gente ficou conhecendo a face sombria do Irmão Brown.

Monday, July 16, 2007

DUNGA, ZANGADO, FELIZ


O Brasil surpreendeu a todos, especialmente a torcida brasileira e venceu a Copa América realizada na Venezuela. Kaká e Ronaldinho haviam pedido dispensa e Dunga foi posto à prova. Com um elenco mediano, o escrete de Dunga fez uma campanha sofrível, exceto na final. A boa vitória sobre os argentinos não tolda a derrota para o México e o sufoco contra o Uruguay, onde fomos salvos pela trave e pelos penaltis.
Na final, o time de Dunga, desprezado pelo favoritismo portenho, foi coeso e solidário e marcou como nunca. A união do time foi fundamental e o símbolo foi Vagner Love, que fez apenas um gol, mas deixou os companheiros na cara do gol inúmeras vezes.
Mas não havia motivo para o clima de desforra que surgiu logo após o árbitro encerrar a partida e jogadores e comissão técnica iniciarem a comemoração. Dunga abespinhou-se com a imprensa e mostrou-se irritadiço em diversas respostas. Não soube administrar essa relação difícil e acabou adotando uma postura confrontadora bastante antipática e arrogante.
No final, a vitória arrebatadora - e improvável, a levar-se em conta o restrospecto e o momento das 2 equipes na competição - foi justa e contrariou a lógica da Era Dunga II - A Missão: o time foi ofensivo na hora certa e soube se defender e suportar a pressão adversária.
Dunga sai mais forte da Copa América. Seu cargo não está mais em risco. Ele conquistou o direito de dirigir a seleção nas Eliminatórias. Dunga e seu auxiliar Jorginho contam com um grupo novo e nem tão famoso de jogadores: Doni, Maicon, Alex, Gilberto, Josué, Mineiro, Júlio Baptista, Gilberto Silva, Elano, Daniel Alver e Vagner Love são os representantes dessa nova geração do futebol brasileiro, onde se destacam os volantes e defensores. A era Dunga é retranca, é ênfase na marcação e preocupação com a defesa. Retranca que, às vezes, dá certo. Como deu ontem em Maracaibo. Os argentinos não jogaram bem - foi a pior partida da equipe na Copa América e a melhor do Brasil. Mas além disso, o Brasil saiu na frente com um imponderável golaço do Urutu Julio Baptista logo no início da partida, aos 4 minutos de jogo. Fez 2x0 com um gol contra de "Raton" Ayala, deixando inconsoláveis "Pato" Abondanzzieri e "Gringo" Heinze. E 3x0 em bela jogada de Love e excelente finalização de Dani Alves. Foi, como se diz, uma partida cheia de surpresas, onde o imprevisível foi melhor para o Brasil do que para a Argentina: o chute de Roman Riquelme explodiu na trave saiu; a interceptação de Raton Ayala morreu no fundo da rede.
Para os argentinos, uma tragédia, um pesadelo, um tango de Gardel. Não ganham nem mesmo do Brasil B. Não há favoritismo que resista à eficiência canarinho. Após o malogro, craques como La Brujita Veron, Zanetti e Ayala podem ter encerrado seu ciclo na seleção argentina. Apesar do desastre, Riquelme, Messi e Mascherano são o futuro da Argentina. A decepção com a derrota foi ainda maior por causa do franco favoritismo portenho: ao longo da competição os argentinos foram da alegria à tristeza.
O Brasil de Dunga transitou nessa Copa América do zangado para o feliz. Mas se a vitória impedir que lições óbvias sejam aprendidas - como a inviabilidade do sistema de 4 volantes, por mais versátil que seja o vigoroso Julio Baptista - terá sido uma vitória inútil e sem significado. O que realmente importa é a Copa de 2010. Que as lições da Venezuela tenham sido aprendidas pelo arrogante e prepotente Dunga e que ele abandone o defensivismo crônico que impôs ao escrete e que nada tem a ver com nossa tradição. Aí sim seria um golpe de Mestre.

Thursday, March 22, 2007

Brasília, um dia na cidade perdida


Não, este Blog não é sobre futebol, embora um dos editores seja um fã da bola, de forma que alguma mediação com o mundo real necessita ser feita. Por isso esta intervenção.

A outra editora, que não é tão fã da bola, mas passeia um pouco, veio despejar um pouco do gosto desta cidade esquisita chamada Brasília. Niemeyer, um dos arquitetos de Brasília juntamente com Lúcio Costa, disse que pode-se gostar ou não gostar de Brasília, mas todos irão dizer que nunca viram nada parecido com Brasília. Isso não é verdade. Quem conhece o autorama sabe do que estou falando.

Ironias a parte, Brasília é realmente muito diferente de qualquer outro lugar no Brasil mas a impressão de perfeição causa estranhesa, uma descofiança. Estamos no Brasil? Brasília devia se chamar Miracaia ou Boracéa, desconfio dos nomes criados, artificiais. Brasília amarela. Então, nessa minha empreitada despeitada, previsível, diria que Brasília nasceu sob o signo da artificialidade. Não se tratava de criar um planejamento num núcleo populacional existente, mas de começar uma civilização "from the scratch". Tudo muito suspeito. Tudo no seu devido lugar, seremos quem devemos ser e Brasília será o orientador cívico dessa nova era que se inaugura para o Brasil. O Brasil está de costas para Brasília e Brasília de costas para o Brasil, frase essa que só se relativiza pois os dois olham-se quando e porque precisam institucionalmente um do outro. E Brasília vive da institucionalidade, do institucionalismo, das instituições que dão sentido à institucionalização das relações todas, quaisquer que existam, e que se submentem a esta lógica. Os bancos que se relacionam com os clubes e as autarquias com a Esplanada dos Ministérios, da mesma forma que o funcionário de uma embaixada com a do Hospital de Base. Emprego no bolso e chave do carro na mão: está aí a receita da sobrevivência em Brasília. Mas preste atenção que para se relacionar, você precisará comunicar instituições.

Tuesday, December 19, 2006

A fraternidade é colorada

Inter e Barcelona fizeram um jogo encarniçado na final da Copa Toyota Japão 2006. O talento barcelonês não teve espaço para se exibir graças à raça dos gaúchos, que marcaram em cima e com vigor. Ronaldinho não conseguiu nada de mais concreto além de pequenos lampejos (num deles, forçou um penalti até que duvidoso).
O problema do Barça não são craques como Ronaldinho, Deco e cia. São os espanhóis que atrapalham o Barça. A Espanha pertence ao segundo escalão, ao menos na história do futebol. Vide Copas do Mundo - que a Espanha jamais ganhou - e Copa dos Campeões da Europa - que Real e Barça já ganharam (o Real ganhou 9 e o Barça 2), mas graças ao talento de estrangeiros como Di Stefano, Puskas, Koeman, Ronaldinho, Zidane e Roberto Carlos.
O gol do Inter foi genial e mostrou ao mundo o valor de uma equipe que compreende o futebol-equipe, o espírito de equipe que faltou ao escrete canarinho na Copa de 2006. A fraterinidade colorada atropelou a magia catalã. O coletivo dos pampas conquistou o individualismo do esquadrão espanhol. Os jogadores e comissão técnica do Barça mal disfarçavam a desolação na cerimônia de entrega de medalhas e troféus. Após receber as medalhas, os jogadores do Barça, ato contínuo, desvencilharam-se das medalhas incontinenti, como se nelas houvesse algo de contagioso, como se o vírus da derrota fosse capaz de se inocular pelo contato do metal com o corpo, como se a malha da equipe não estivesse à altura da prata que lhes cabia.
O duelo de Yokohama terminou com Porto Tri Alegre (exceto pelos gremistas) e Barcelona frustrada.

Wednesday, October 25, 2006

Réquiem da chuteira negra


A chuteira preta está ameaçada de extinção - e também o mico-leão dourado. Minha combalida memória registra episódios esparsos no processo de afirmação desse modismo futebolístico horrendo, qual seja, a hegemonia da chuteira cólorida.
No início da década de 80, Walter Casagrande Jr., o Big House, fez uso de chuteiras brancas ao melhor estilo Jacinto Figueira Jr, o Homem do Sapato Branco. Na mesma época, Serginho Chulapa usou chancas vermelhas quando jogava no Santos. Mas era um tempo em que a elegante chuteira preta era unanimidade e o golpe de marketing não era gestado na lógica corporativa, mas na cabeça criativa de boleiros transgressores.
Hoje, infelizmente, a transgressão é usar chuteiras negras. E isso aconteceu quase imperceptivelmente, à sorrelfa, de uma hora para outra.
Na noite dos tempos do esporte bretão, as chuteiras eram verdadeiras botinas. Cor de ébano. O avanço tecnológico indiscutível trouxe um contrabando em seu bojo: o design mercadologizado. Cores, muitas cores, quanto mais chocantes e fosforescentes, melhor. Um tributo à breguice. Ao mau gosto.
Imagine, por exemplo, Pelé (ou Beckenbauer, Cruiff, Maradona) de chuteira branca... Inimaginável. Não tem como. A chuteira preta, essa sim tem estirpe, classe, distinção. No futebol de hoje, contudo, a chuteira preta é vítima da vulgarização imposta pelo mercado.
Na foto acima, a chuteira preta de Max Morlock, campeão mundial em 54, criação da empresa de Adi Dassler (cujo irmão criou a Puma):
"A chuteira de Max Morlock foi calçada pelo jogador alemão na final de 1954 em Berna contra a Hungria e usada para marcar o primeiro gol da Alemanha. A nova chuteira tinha duas vantagens cruciais: tinha cravos delgados de atarrachar e pesava quase a metade do que pesava a chuteira dos adversários – só a Áustria e a Suíça usavam a mesma chuteira. O peso menor forneceu uma grande vantagem para a RFA na final" (Copyright: FIFAworldcup.com).

Thursday, September 21, 2006

2 anos, entre o tempo e o espaço e a aventura de não crer




Em algum lugar, entre o Círculo Polar Ártico e o Antártico você estará. Deve estar escondida, onde a luz não te alcança para eu te ver, ou simplesmente deve estar brincando com a luz. Esse mundo é gigante, quantas pessoas não conseguiremos dizer adeus pois não sabemos se vamos ou não revê-las algum dia.

Quantas saudades sentiremos na vida, seria possível contar e contar de maneira regressiva? A maior é de você. O tempo passou por aqui e te levou. Não sabemos tudo o que existe entre o Ártico e o Antártico, mas temos certeza que estes pontos estão preenchidos de tempo e lá está você.

Faz dois anos e a dor não se apazigua.

Tuesday, September 12, 2006

Notícias de uma Barcelona

A cidade vai mudando bastante, sempre se ajeitando para a nova leva de turistas, mas também para o povo que foi se instalando por aqui. Vemos cada vez mais os asiáticos instalados, com seu automóvel, seu carrinho de bebê passeando, pois já não precisam trabalhar as 20 horas por dia que parece que trabalham. Até arranham melhor o espanhol com sotaque da Espanha, mesmo.

Setembro é uma época muito afortunada, pois o calor já arrefeceu, mas o frio ainda não deu as caras. Pode-se ir à praia, andar pelas calçadas marítmas, onde muitos homens se reúnem para pescar, e depois sentar à beira-mar, nos “chiringuitos” ouvindo músicas modernas.

Ontem, dia 11 de setembro, à parte da memória do ataque às torres gêmeas, na Catalunha se comemora o seu Dia Nacional, que é na verdade uma derrota para as tropas espanholas. Neste dia, esquerda e direita fazem discursos numa estátua que se encontra na Praça Urquinaona, levando coroas de flores. E a cidade dança a Sedetta, a dança tradicional da região.

O circuito cultural é realmente o que mais chama a atenção, exposições em diversos museus, num diálogo constante com a produção cultural mundial. A Caixa Fórum, que sempre traz boas exposições, apresenta um apanhado da obra do escultor inglês Henry Moore com toda a força das suas peças jacentes, do homem deitado que se apóia nos braços, mas que também retoma as imagens dos ingleses escondidos nos abrigos dentro dos canais do metrô durante a II Guerra Mundial, enfim, das figuras que são o essencial da forma. O poder da figura jacente é atribuído ao descobrimento da obra de mesma posição em Chichén Itza, no México, de origem maya-tolteca, que evoca sobretudo a força da permanência, da paciência, da solidez de quem vê os séculos passarem na segurança da sua posição.

Nos cinemas, além das milhares de salas dos filmes de sempre, também os filmes que de vez em quando aparecem para encantar com sutileza, verdade, estética e bom gosto. Three Times (“Tiempos de Amor, Libertad y Juventud”), do diretor taiwanes Hou Hsiao Hsien, é uma grande descoberta (aliás, prefiro muito mais as listas de filmes dos jornais brasileiros. Vejam uma amostra da sinopse: “1966, tiempo de amor. 1911, tiempo de libertad; 2005, tiempo de juventud”. Não existe menção a ano de produção, países co-produtores, atores, uma sinopse com mais informação, nem classificação/opinião do jornal). Trata-se de um filme das relações amorosas em três momentos da história da China e da dificuldade em equacionar estes atributos da vida, o amor, a liberdade e a juventude.


E vamos nos movendo para não criar limbo. Setembro é o mês da tradicional festa de Las Mercês, em que toda a cidade se prepara para os mais diversos ciclos culturais, concertos, festas de rua. Enquanto isso, vamos nos espremendo entre o que somos e o que não somos quando viajamos, e me vem o texto do Roberto da Matta:

“Quando se fica entre dois mundos, morre-se muitas vezes. Tantas quantas são as passagens de um lugar a outro. É quando descobre que o ‘entre’ também tem o seu lado negativo, revelando as perdas, contabilizando as divisões, assinalando as repatriações, indiciando pelos lutos malfeitos e por muitas saudades. Saudade de um lado e saudade do outro; e uma saudade nova, excepcional e inusitada do intersticio, da passagem, do meio-termo.
(...)
São esses sentimentos contraditorios de vida e de morte, de liberdade extremada e de perda que eu tenho experimentado nessa visita. É quando vejo que o pertencer é sempre relativo. Que a terra natal – a pátria ou mátria, como dizia o poeta Antonio Vieira – exige uma constante celebração de ritos patrióticos onde reafirmamos o nosso gosto de a ele pertencer, porque – quem sabe? – somos tambem seres de um mundo sem fronteiras. É pelo menos isso que ocorre quando morremos e deixamos de pertencer a nós mesmos.”

E nessas passagens, vamos imprimindo em nós um pouco do que nos encanta ou nos espanta. E a nostalgia, que é a forma romântica de experimentar a perda, se reflete nesses ires e vires de emoção com a arte, em que reafirmamos nossas referências nacionais, pessoais.

Mas, ousando discordar do citado autor, como ainda se pode arriscar em dizer que o mundo não tem fronteiras?

12 de setembro de 2006, para meu pai.